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quarta-feira, 8 de setembro de 2010

SE FOR NECESSÁRIO, GREVE JÁ, O GOVERNO TEM QUE RESPEITAR OS TRABALHADORES DE FARDA.

08/09/2010 - 18h07 - Atualizado em 08/09/2010 - 19h57
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Greve de PM:
Relembrando 1997- revista veja
Surge pelos 4 cantos deste país um sentimento de revolta pela não aprovação da PEC300, e a palavra GREVE começa a ecuar nos quarteis


Governador de Minas Gerais se rendeu e
a PM já fala em parar nos outros Estados

Joaquim de Carvalho e Marcos Gusmão, de Belo Horizonte

A greve da Polícia Militar de Minas Gerais terminou na noite de quinta-feira passada com dois ensinamentos. O primeiro diz respeito aos governadores: o tucano Eduardo Azeredo quis ser tão esperto que acabou fazendo papel de bobo. No início do mês passado, representantes dos 42.000 homens da Polícia Militar manifestaram insatisfação com o salário. Em vez de negociar e barganhar, Azeredo baixou uma proposta única: reajuste de 11% para oficiais que embolsam até 6.000 reais por mês e nada para soldados, cabos e sargentos, que chegam a receber 410 reais, ou quase quinze vezes menos. A esperteza de Azeredo produziu uma greve selvagem numa PM considerada modelo e descambou na mais funda crise política do Estado desde 1964, obrigando tropas do Exército a desfilar pela capital com tanques e veículos militares. Antes da greve, Azeredo poderia ter feito um acordo em torno dos mesmos 11% que ofereceu aos oficiais. Quando o movimento se iniciou, ele chegou a oferecer 20%. Na quinta-feira passada, quando enfim conseguiu encerrar a paralisação, Azeredo foi obrigado a pagar um aumento de 48% -- quatro vezes a inflação do último ano, a maior vitória que qualquer categoria de trabalhador, funcionário público ou não, paisano ou não, já obteve desde o lançamento do Plano Real, três anos atrás.

Sonho de infância
Acusado de ter atirado no cabo Valério, o soldado Wedson Campos Gomes, de 30 anos, foi carcereiro antes de entrar na PM. "Desde menino, falava em ser policial, para correr atrás de bandido", afirma sua mãe. Um irmão, também PM, suicidou-se em 1990. Solteiro, mora com a mãe e quatro irmãos. Apesar da evidência das imagens de TV, diz que atirou para o alto e não acertou o cabo


O segundo exemplo diz respeito à PM de outros Estados e interessa diretamente às pessoas que necessitam de seus serviços -- isto é, ao cidadão comum. A greve de Minas mostrou como é fácil dobrar governadores que não têm uma política de segurança pública e acham confortável mandar quem está em cima chicotear o lombo de quem está embaixo. Se o governador do seu Estado está nessa categoria, prepare-se: pode estar vindo confusão por aí. A Associação dos Cabos e Soldados de Pernambuco marcou para o dia 12 de julho a primeira assembléia de militares em 172 anos de existência da PM estadual. "A vitória de Minas serviu de exemplo. Soldado dentro de quartel reclamando da vida não consegue aumento", diz o cabo Renato Ribeiro, coordenador da associação. Na sexta-feira, a entidade que representa os praças do Ceará entregou carta ao governador Tasso Jereissati exigindo aumento. "Demos vinte dias de prazo: se não formos atendidos, vamos para as ruas", afirma o cabo Ancelmo Torcato, presidente da associação dos cabos e soldados, que reúne 8.300 dos 12.000 militares do Estado. Na Bahia, a direção do clube dos cabos e soldados decidiu na sexta-feira mandar carta ao governador Paulo Souto. Eles querem 250% de aumento. "Vamos entrar em greve branca no dia 8 de julho se não formos atendidos", declara o cabo Oscar Pires de Jesus, presidente da associação. "Minas nos encoraja a ir às ruas", afirma em tom de panfleto. "Vamos partir para o confronto com o comando e o governo." No Pará, uma assembléia será realizada no dia 2. Os praças querem quase 200% de reajuste. No Rio Grande do Sul, onde a PM é chamada de Brigada e é lendária por sua participação em revoluções, a associação dos cabos e soldados estava na sexta-feira com seus telefones congestionados. "Muita gente tem telefonado para cá pedindo uma ação enérgica, a exemplo de Minas", conta um praça que dá expediente na associação. Em São Paulo, o presidente da associação de cabos e soldados, cabo Wilson Moraes, já pediu uma audiência ao governador Mário Covas. Quer que o piso da categoria aumente dos 494 reais atuais para 1.050 reais.

No Palácio do Planalto, a partir do que aconteceu em Minas Gerais, tem-se como certo que as ameaças das associações de diferentes Estados não são bravatas. Os soldos de soldados e cabos das PMs beiram o inacreditável. Na melhor das hipóteses, são um convite à vagabundagem. Na pior, ao delito puro e simples. Em 1995, segundo o próprio presidente da Associação de Cabos e Soldados de São Paulo, 112 PMs foram presos por ter-se misturado além da conta ao mundo da marginalidade, que deveriam combater. Em 1997, esse número aumentou para 282. Em 65% dos casos, os crimes cometidos foram assalto, roubo ou latrocínio. Some-se à desmotivação das tropas a desmoralização dos comandos e o gatilho está armado. "Esse risco de fato existe, e eu aviso aos meus colegas que liguem os sensores para detectar movimentos em quartéis e evitar que aconteça lá o que, infelizmente, ocorreu aqui", diz Azeredo, que, durante a paralisação, só manteve um sensor ligado -- o do oportunismo político, pois passou a greve escondido da população, com medo de associar sua imagem ao sangue, à violência e à baderna promovida pela PM rebelada.

Líder muambeiro
Júlio César Gomes, de 27 anos, cabo da PM, é o líder do movimento. Com 2º grau completo, recebe salário bruto de 470 reais. Casado, tem três filhos. Nem vendendo mercadoria do Paraguai consegue colocar em dia a prestação de seu apartamento, cinco meses atrasada. Obreiro da Igreja Metodista, foi afastado das ruas há dois meses, por ter atirado num homem suspeito de tráfico de drogas


Colchões queimados -- O que aconteceu em Minas mostra como essas coisas são bruscas. Vinte e quatro horas depois de o governador anunciar o aumento para os chefes, ocorreu o primeiro ato de rebeldia dos chefiados -- dois colchões foram queimados num dos dormitórios do batalhão de choque. No dia seguinte, 700 policiais marcharam até a porta do Palácio da Liberdade, sede do governo mineiro. De costas para o palácio, cantaram o Hino Nacional e se ajoelharam para rezar o Pai Nosso. Com a passeata, forçaram a negociação e, oito dias depois, receberam a oferta de um abono fixo de 102 reais, o que significaria 21% de aumento para os salários mais baixos. Na terça-feira passada, numa assembléia em que, no lugar de bandeiras, portavam revólveres, eles rejeitaram a proposta e partiram para uma nova marcha em direção ao palácio. A passeata começou com cerca de 2.000 policiais e terminou com 4.000, engrossada pelos militares que ainda trabalhavam nas ruas e abandonaram seus postos e por cerca de 700 investigadores da Polícia Civil.

Na porta do palácio, encontraram barreiras formadas por militares recrutados de pelotões do interior ainda leais ao governo. Eles usavam braçadeira branca no braço e estavam ali para impedir a passagem dos manifestantes. Não conseguiram. Quando os amotinados se preparavam para entrar no prédio do comando militar, o cabo Valério dos Santos Oliveira, de 36 anos, subiu numa mureta para pedir calma aos colegas. "Calma, calma, pode haver tiros." Instantes depois, estava jogado no chão, atingido por um tiro disparado pelo soldado Wedson Campos Gomes, de 30 anos, que, à paisana, se encontrava entre os manifestantes. O cabo Valério permanecia em estado de coma na sexta-feira da semana passada, no hospital João XXIII. Os policais desistiram da invasão, mas permaneceram em greve.

"Luta de irmãos" -- Por volta de 5 da tarde de terça-feira passada, o presidente em exercício Marco Maciel interrompeu uma audiência para atender ao telefone. Do outro lado da linha, o governador Eduardo Azeredo pedia que o Exército fosse acionado para manter a ordem no Estado. Marco Maciel desligou e mandou que localizassem o ministro do Exército, Zenildo de Lucena. Ordenou ao ministro que mobilizasse as tropas federais. Deu-se um alvoroço na Casa Militar. Ali, um grupo de oficiais apavorou-se com a possibilidade de um confronto do Exército com a PM mineira, uma organização ciosa de sua independência. A última vez que o governo federal tentou mexer na PM local foi logo depois do golpe de 1964, quando o Exército nomeou coronéis para chefiar as PMs de todos os Estados. Em Minas, o coronel nomeado teve de voltar à caserna, tamanha foi a resistência da tropa.

Os militares que se opunham à intervenção do Exército levaram suas dúvidas a Marco Maciel, que as ouviu mas manteve a ordem de despachar tropas federais. Falou em seguida com o chefe da Casa Civil, o ministro Clovis Carvalho, para que a ordem fosse enviada por escrito -- o próprio Carvalho assinou-a. O clima era tenso no Palácio do Planalto. E havia ainda a irritação contra Azeredo, por sua demora em perceber que há um mês tinha uma bomba armada nas mãos. "Essa foi a mais grave crise de Polícia Militar estadual dos últimos anos", constata um general com acesso ao Planalto. A ordem assinada pelo ministro Clovis Carvalho determinava o emprego dos militares da 4ª Divisão de Exército para garantir exclusivamente a segurança do governador e dos palácios da Liberdade, dos Despachos (ambos sede do governo) e Mangabeira, residência oficial do governador. A ordem foi específica justamente porque o Exército temia uma tragédia. "Não caberia partir para um confronto, que poderia resultar num derramamento de sangue desnecessário", diz um general do Exército. Segundo esse oficial, a saída para a crise da PM mineira tinha de ser política. "O Exército não gostaria de atuar contra a PM porque seria uma luta de irmãos", avalia.

Na quinta-feira à noite, aconteceu a rendição de Azeredo, que elevou para 200 reais o abono fixo. A greve acabou. "O aumento que dei foi um gesto de humildade. Precisei fazer esse sacrifício para evitar um banho de sangue, que, segundo informações que recebemos, ocorreria na sexta-feira", justificou Azeredo, tentando transformar uma derrota acachapante num ato de grandeza política. Com o aumento, o governo terá de desembolsar 340 milhões de reais a mais por ano com a folha de pagamento, que hoje já absorve 77% da receita. Mas não é esse o preço maior de sua incompetência, e sim o tremendo desgaste da autoridade no Estado -- mercadoria de valor difícil de calcular, como demonstram algumas cenas da greve.

Na primeira passeata, o líder dos amotinados, o cabo Júlio César Gomes, recebeu voz de prisão de seu comandante, o tenente-coronel Carlos Roberto Cançado, então chefe do batalhão de choque. "O senhor está preso em nome do comandante geral", disse Cançado. O cabo limitou-se a sorrir, enquanto seus companheiros de farda avançavam sobre o comandante. "Se o senhor colocar a mão nele, vai haver uma guerra." O coronel deu as costas, entrou num carro e desapareceu. Na entrada da Praça da Liberdade, área de segurança por ser o endereço de trabalho do governador, o tenente-coronel Severo Augusto da Silva, comandante do Batalhão de Missões Especiais, ordenou que o cabo Júlio impedisse a entrada dos manifestantes no local. "Nós vamos fazer o contrário de tudo que os coronéis pedirem", respondeu o cabo. Responsável pela segurança dos chefes de Estado que estiveram em Belo Horizonte há um mês, para a reunião do mercado comum americano, a Alca, o coronel teve de engolir seco.

Herança familiar
O cabo Valério dos Santos Oliveira, de 36 anos, levou o tiro na cabeça quando pedia calma aos colegas. Há 29 anos, seu pai, também policial, foi baleado por um colega e morreu. Valério é de uma família na qual a farda é tradição. Começou a trabalhar aos 6 anos, como flanelinha. Foi engraxate, office-boy e tapeceiro. Quando entrou na PM, tornou-se evangélico. Casado, dois filhos, hoje lidera o Grupo Familiar Cristão, com reuniões em sua casa


"Expulsamos a CUT" -- Inútil atribuir esse ânimo a infiltrações na corporação pelos oposicionistas de sempre. A greve dos PMs mineiros não foi conduzida por um braço militar da CUT. Nasceu e foi conduzida pelo setor mais duro da tropa. O líder da rebelião, Júlio César Gomes, por exemplo, até dois meses atrás era comandante de uma unidade da Rotam, batalhão de elite da PM que é a cópia mineira da Rota paulista -- inclusive quanto ao uso de métodos bárbaros. O cabo Júlio esteve preso há dois meses sob acusação de ter-se excedido ao balear um homem acusado de tráfico. Há dois anos, participou de uma operação de repressão aos cortadores de cana em greve no sul do Estado. Em seu currículo entram também sessões de pancadaria contra metalúrgicos grevistas de Betim. O número 2 do comando da rebelião, o sargento Washington Rodrigues, é o policial mais temido na periferia de Belo Horizonte, porque a ele se atribuem mais de uma dezena de mortes. Rodrigues também é uma figura constante na repressão a passeatas. Em 1987, ele e Júlio estavam na tropa que impediu professores em greve de se aproximar da Praça da Liberdade -- exatamente o que eles mesmos fizeram na semana passada. "Foi por isso que expulsamos a CUT do nosso movimento. Amanhã teremos de reprimi-los e poderíamos ser cobrados", diz o cabo Júlio, pragmático.

Em Minas, os PMs têm orgulho de vestir a farda. São populares. Quando saíam em passeata, os policiais eram saudados por chuva de papel picado atirado do alto dos prédios e aplaudidos pelas pessoas da calçada. Segundo dados do Ministério da Justiça, todas as polícias militares dos Estados juntas formam uma tropa de 363.412 homens, o dobro do efetivo do Exército, que dispõe de 180.000 militares em todo o país. A PM de Minas é a segunda, com 42000 homens. Só perde para a PM de São Paulo, com 79228 militares. A PM do Rio vem em terceiro, com 27.932 homens. Segundo um levantamento da PM mineira, os melhores salários pagos a soldados da PM estão no Distrito Federal. A PM de Minas está entre as dez que pagam os menores salários a seus praças no Brasil.

Com reportagem de Sandra Brasil, de Brasília, José Edward e
Rachel Verano, de Belo Horizonte


Revista Veja

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